Gonçalo M. Tavares
Quatro banquetes
(Europa)
Banquete nº 1
Sento-me; ao meu lado, o hospitaleiro europeu. Como animal doméstico, mesmo com a sua expiração encostada ao meu braço desprotegidíssimo e civilizado, um tigre; não dos maiores, mas tigre, tigre das patas ao focinho; elemento que sempre conhecera como muito selvagem nos filmes, mas que, ali, garante-me de forma neutra o dono da casa, aquele, em particular, é mamífero individualmente pacifista.
– Só em grupo são perigosos – diz-me o dono da casa … – um pouco como os humanos – acrescenta, e ri-se, depois, às gargalhadas.
Pois sim, trata-se, a partir dali, de tentar descontrair, ou seja: o peso do rabo mais cabeça mais pernas e tronco deve pousar sobre a cadeira como se fruto de uma aterragem tranquilíssima de um elemento aéreo suportado por um balão larguíssimo e pachorrento, ou seja, descontrair, a nível muscular, é isso mesmo: deixar que todo o peso, cada um dos gramas, se entregue totalmente ao solo, mesmo que este seja um solo temporário e um pouco mais alto do que o nível do mar – uma cadeira. E ter medo, por outro lado, embora não suspenda a sempre companheira lei da gravidade, internamente, a nível bem íntimo e orgânico, pelo menos não deixa o corpo inteiro em repouso abandonado; ter medo é resistir, subir o que na queda ainda se permite, se bem que apenas de forma interna – manter erectos e atentos mais músculos do que os que se deixam cair no adormecimento. E, portanto, entre descontrair e controlar o pânico havia, naqueles instantes iniciais, ainda uma distância de maratona sensorial; sendo certo que o dono da casa fazia tudo para diminuir esse espaço, essa diferença. Em suma, eu estava tenso e com medo.
– Se não se sente à vontade com tigres, posso fechá-lo no quarto – disse-me ele, de forma atenciosa. E acrescentou –… no quarto das crianças.
E no momento em que o meu hospedeiro diz
No quarto das crianças
julgo adivinhar-lhe ali, no cantinho de uns lábios bem sóbrios e frankfurtianos, um músculo, um único, sarcástico ou talvez sádico, quem sabe? Como ler, interpretar, fazer uma exegese profunda de um músculo mínimo na ampla e bem agitada cidade de Frankfurt? O que pode um músculo? – poder-se-ia perguntar. O que diz um músculo?
Bem, mas sim: o dono da casa parecia basicamente colocar-me diante de uma decisão de imperador romano: quem ficará em perigo de vida? Quem salvo?
Porque era quase como se ele tivesse dito: se não se sente tranquilo com o meu dócil e quase agrícola tigre, senhor animal pacato e da terra, se não se sente descontraído fecho-o no quarto onde as crianças brincam; com o risco, que existe, já se sabe, sempre que juntamos tigres e crianças, de surgir uma incompreensível e injustificada discussão que termine mal para a infância e para a harmonia do mundo.
Sou ou não suficientemente distante da compaixão em relação a quem não conheço para colocar em risco as brincadeiras do dia de amanhã de belas crianças de Frankfurt? A minha resposta éyes, sí.
Agradeço, pois, e respondo simplesmente
Sim, pode ser
palavras cobertas por um véu, que basicamente parecem substituir um grito sincero que evito despejar em sala tão simpática de Frankfurt; o verdadeiro grito que, claro, dada a minha sobriedade não desvelo.
– Sim, quero comer sossegado e não quero ser comido!!! Por favor, ponha o tigre no quarto das crianças!! No meio da brincadeira das crianças! Quero relaxar!!
É evidente que em Frankfurt os tigres não são muito bem vistos; há um certo preconceito, digamos. No entanto, precisamente em Frankfurt como em grande parte das cidades europeias, o fato e a gravata, as boas maneiras, a detalhada educação, a tolerância, o modo como a frasesomos todos iguais passou já há muito de ser aplicada aos homens para passar aos animais e às plantas
(os minerais ainda aguardam que o olhar civilizado os alcance)
os animais são todos iguais, temos de compreendê-los, as plantas –todas merecem água e sol, não sejamos injustos; enfim, a cidade estava debaixo desse novo oxigénio que em tempos mais lá para a frente se classificará certamente como
o oxigénio da segunda década do século XXI,
aquilo, então, a que atabalhoadamente, em cafés populares, se dá o nome de
politicamente correcto.
– No fundo, um tigre é um animal como os outros. Qual a diferença entre um tigre e o cão?
Sim, concorda